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PASSADO, PRESENTE E FUTURO DA PSICOLOGIA




Ligia Splendore – Psicóloga, especialista em Transpessoal, CRP 28224-6, ALUBRAT, São Paulo-Brasil, ligiasplendore@gmail.com


Ementa

Cada vez mais psicólogos detectam que a subjetividade humana está além da racionalidade linear, é preciso uma nova psicologia que valide as epistemologias não hegemônicas para legitimar esses dados empíricos e fenomenológicos.


Apresentação

A psicologia enquanto ciência tem suas raízes nos filósofos gregos e só se separou da filosofia no final do século XIX. Considerando que a palavra Psicologia deriva das palavras gregas psyché (alma, espírito) e “logos” (estudo, razão, compreensão) sendo traduzida como o “estudo da alma”, é inegável pressupor que suas raízes originam-se em fontes espirituais. Muitas teorias psicológicas remetem a sabedoria da filosofia perene, o cerne das grandes tradições espirituais e religiosas do mundo. Em função do materialismo científico da modernidade, a psicologia se viu forçada a negar este passado para se firmar enquanto ciência. O momento atual da pós-modernidade, todavia, é de grande abertura no mundo cientifico e compete a psicologia ousar discorrer e investigar temas que compõem a natureza humana em sua totalidade abarcando, inclusive, a sua dimensão espiritual.


Texto Principal

Historicamente a primeira geração de psicólogos foi formada no laboratório psicológico fundado pelo fisiólogo alemão Wilhelm Wundt em 1879, responsável por transferir o interesse do funcionamento do corpo humano para a percepção e os processos mentais. Todavia, o filósofo alemão Gustav Fechner foi quem introduziu métodos, princípios de medição e observação experimental exatos para a investigação dos fenômenos psíquicos. Fechner constituiu uma lei da ligação entre mente e corpo enunciando que a sensação mental varia de acordo com o estimulo material. A partir dessa lei a psicologia adquiriu um caráter realmente científico, mas de certa forma teve que reduzir a mente a aspectos empíricos mensuráveis se distanciando dos aspectos relacionados à alma e ao espirito. Na verdade, Fechner acreditava que espirito e a matéria eram inseparáveis, eram como dois lados de uma mesma realidade essencial, suas pesquisas medindo aspectos da mente eram tentativas para apontar essa inseparabilidade e não para reduzir o espírito e a alma a objetos materiais. Para ele todo o universo tem um caráter espiritual e o mundo dos fenômenos físicos é a manifestação externa dessa realidade espiritual (Wilber, 2007).


Igualmente a Fechner, o filósofo e médico americano William James também mantinha diálogo com a sabedoria das tradições e trazia uma abordagem mais centrada na função da mente humana do que na sua estrutura. De acordo com James, a mente consciente é um fluxo em constante interação com o meio ambiente e a psicologia deveria incluir as emoções, a vontade, os valores, as experiências religiosas e místicas - tudo o que faz cada ser humano único (Fadiman; Frager, 2002).


Entretanto, em 1900 a psicologia se despontava como uma ciência estabelecida contando com mais de 40 laboratórios na América do Norte graças à influência do psicólogo estruturalista britânico Edward Titchener, um importante divulgador do trabalho de Wundt nos Estados Unidos. Apesar de Titchener e James concordarem quanto ao objeto da psicologia - os processos conscientes, ele focou seus estudos nesses processos enquanto descrição de elementos, conteúdos e estruturas. Daí surgiu duas correntes da psicologia: o Estruturalismo e o Funcionalismo (Psicologia in www.wikipedia.org – acesso em 10/11/15).

Os estudos da psicologia, na época, priorizaram a cognição enquanto nível de conhecimento, fazendo dessa sinônimo de consciência e a psicologia ocidental passou a focar mais na apreensão de objetos exteriores sendo que os outros tipos de consciência da percepção ficaram excluídos. Emoções, sonhos, visões criativas, estados sutis, experiências religiosas e místicas passaram a não ter validade cognitiva. Ken Wilber traz um rico histórico da psicologia em seu livro A Psicologia Integral (Wilber, 2007), com relação a este ponto ele afirma que:


“A consciência enquanto cognição foi reduzida a mera percepção das superfícies planas e desbotadas de objetos empíricos, qualquer percepção diferente daquilo que se via no mundo do materialismo cientifico não era uma cognição verdadeira.”


Wilber completa dizendo que a ontologia e epistemologia são igualmente importantes para a psicologia, porém essas se desintegraram e a modernidade adotou a epistemologia e a ontologia caiu no buraco negro da subjetividade. Pode-se deduzir que a psicologia enquanto ciência está de certa forma presa a esse modelo epistemológico até hoje (Wiber 2007).


Um aspecto curioso é que essa cisão na psicologia não impediu que os fenômenos dessas subjetividades, típicos do Ser, continuassem a acontecer. Apesar da psicologia não priorizar estudos que contemplem o ser humano como um todo, as pessoas continuam relatando experiências de todos os níveis: metafísicos, paranormais, religiosos, espirituais, esotéricos e exotéricos. O psiquiatra tcheco Stanislav Grof acredita que eventualmente a ciência, pautada em bases materialistas reducionistas, terá que se reinventar para fazer jus à necessidade de compreender e se posicionar frente a real magnitude dos fenômenos humanos. Grof dedicou mais de 45 anos pesquisando os estados alterados de consciência e assinala certa ingenuidade e ignorância da ciência ocidental em relação à concepção desses estados da consciência:


"A visão de Mundo Antiga inclui outras realidades paralelas; a morte não é o fim e sim uma passagem; dos estados não usuais de consciência nascem a mitologia e a capacidade de percepção intuitiva extrassensorial, são fontes de inspiração criativa e podem ser usados para cura de patologias. Enquanto que para a Visão de Mundo Materialista todas as experiências mais sutis são patologias.” (Grof, 1997)

Novos movimentos têm forçado a psicologia a se posicionar frente a uma nova visão de homem. Desde a Assembleia Mundial de 1983, a inclusão de uma dimensão “não material” ou “espiritual” de saúde vem sendo discutida extensamente, a ponto de haver uma proposta para modificar o conceito clássico de saúde pela Organização Mundial de Saúde (OMS) definindo esta como: “um estado dinâmico de completo bem-estar físico, mental, e social e espiritual, e não meramente a ausência de doença.” (Panzini et al, 2007). Um dos maiores estudiosos sobre o impacto da espiritualidade e religiosidade na saúde, Harold Koenig diz (Koenig, 2005):


“Negligenciar a dimensão espiritual é como ignorar o aspecto social ou psicológico do paciente e resulta em falha ao tratar a pessoa integralmente.”


Essa visão integral do ser humano vem influenciando a medicina moderna que tem estendido opções alternativas de tratamento a um número cada vez maior de pessoas através das políticas públicas. A Política de Humanização do SUS (PNH) criada em 2003 propõe o comprometimento entre o sujeito e seu coletivo, fortalecendo o trabalho em equipe multiprofissional fomentando a transversalidade e a grupalidade. A Política Nacional das Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) lançada em 2006 busca estabelecer um diálogo com diferentes saberes das ciências, tradições e espiritualidade tornando disponíveis opções preventivas e terapêuticas. E a Política Nacional de Educação Popular em Saúde (PNEP) de 2013 propõe uma prática político-pedagógica que perpassa as ações voltadas para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a partir do diálogo entre a diversidade de saberes valorizando os saberes populares, a ancestralidade, o incentivo à produção individual e coletiva de conhecimentos e a sua inserção destes no SUS.


As formas de abordar essas políticas podem variar, porém, é importante que se tragam abordagens epistemológicas não hegemônicas como campo de um saber psicológico que abre diálogo com os fundamentos dos saberes tradicionais e da espiritualidade. O grupo de trabalho criado no Conselho Regional de Psicologia de São Paulo - Diversidade Epistemológica Não-hegemônica em Psicologia, Laicidade e Diálogo com Saberes Tradicionais (DIVERPSI) - propõe-se a lidar exatamente com essas questões possibilitando que a psicologia dialogue com outras racionalidades e possa se beneficiar de recursos complementares a prática psicológica (CRP São Paulo, 2014).


A Organização Mundial da Saúde tem trabalhado intensamente para garantir que a promoção da saúde incorpore novas formas de cuidados que tenham bases cientificas e sejam, ao mesmo tempo, inclusivos e culturalmente sensíveis. Nas últimas décadas, tem havido uma crescente conscientização do público e da academia sobre a relevância da espiritualidade e da religião no impacto da saúde. Revisões sistemáticas da literatura acadêmica identificaram mais de 3.000 estudos empíricos investigando a relação entre religião/espiritualidade (R/S) e saúde. Vale citar a inciativa da Associação Mundial de Psiquiatria (WPA) que em setembro de 2015 propõe a inclusão de componentes relativos a esses temas como essenciais na formação dos psiquiatras.


Conclusão

Wilber chama a atenção de que tanto as visões pré-modernas, modernas e pós-modernas trouxeram ensinamentos importantes, mas para construir o futuro da ciência é importante ter vistas a uma reconciliação de todas as teorias, pesquisas e práticas com objetivo de integrar conhecimentos de todas as eras. Ao se referir a sabedoria da pré-modernidade, Wilber ressalta o fato dessa sabedoria ter se originado nos tempos pré-modernos. A fonte dessa sabedoria se remete a filosofia perene cuja ideia central é que a verdade metafísica fundamental é única, universal e perene, e que as diferentes religiões constituem distintas linguagens que expressam essa verdade única. Reverenciar os iogues, xamãs, santos, sábios e filósofos que beberam dessa fonte é uma forma de dar continuidade à sabedoria das eras, de reconhecer os nossos ancestrais, de transcender e incluir aquilo que existiu antes de nós (Wiber 2007):


“...acima de tudo é uma maneira de lembrarmos de que estamos de pé sobre ombros de GIGANTES.”


Inciativas como o grupo criado pelo CRP de São Paulo – DIVERPSI, o qual visa a construção de uma psicologia desvinculada dos grilhões colonialistas de uma ciência excessivamente centrada nas perspectivas ocidentais, deveriam ser multiplicadas em outras instâncias. Esse movimento é pautado na laicidade da psicologia sem implicar, no entanto, na negação da espiritualidade com o reconhecimento de que as tradições religiosas incluem aspectos transcendentais e orientam ações humanas de forma significativas conduzindo a constatação de que a psicologia e a espiritualidade transitam em campo comum da produção de subjetividades (CRP São Paulo, 2014).


É preciso ousar e dar um passo além garantindo que essas discussões chequem nas universidades de psicologia com base no rigor acadêmico científico e façam parte da formação dos alunos. Se a psicologia, que se propõe a estudar a alma, não reconhecer e legitimar esses modelos epistemológicos não hegemônicos, outras ciências ocuparão esses espaços sem o devido embasamento teórico para fazer isto.


Referências:

Conselho Regional de Psicologia Psicologia, Laicidade, Espiritualidade Religião e os Saberes Tradicionais [Carta GT Nacional Laicidade e Psicologia – Texto aprovado na APAF de maior de 2013], São Paulo, 2014.

Fadiman, J., Frager, R. Teorias da Personalidade. São Paulo, Editora Harbra, 2002.

Grof, S. Implicações da Pesquisa sobre a Nova Consciência para Psicologia e Psicoterapia. Apresentação realizada no I Congresso da Associação Luso Brasileira de Transpessoal. Brasil, 1997.

Grof, S. Psicologia do Futuro - Lições das Pesquisas Modernas de Consciência. Brasil, Heresis Transpessoal, 2007.

Koenig, H. Espiritualidade no cuidado com o paciente. São Paulo: Mednesp, 2005.

Panzini, R.G; Rocha, N. S., Bandeira, D. R., Fleck M. A. Qualidade de vida e espiritualidade. Revista Psiquiatria Clínica 34, suplemento 1; 105-115, 2007.

Peres, J. Trauma e Superação: O que a Psicologia, a Neurociência e a Espiritualidade Ensinam. São Paulo, Editora Roca, 2009.

Wilber, K. Psicologia Integral: Consciência, Espírito, Psicologia, Terapia. São Paulo, Editora Cultrix, 2007.


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