O Ego Transpessoal
O Ego Transpessoal
A Psicologia Transpessoal amplia a compreensão e denominação de Ego que de acordo com Sigmund Freud é um dos três componentes básicos estruturais da nossa psique, sendo responsável pelo princípio da realidade está em contato com a realidade externa e tem a tarefa de autopreservação, garantindo a saúde, segurança e sanidade da personalidade. O desenvolvimento do ego se inicia quando o bebê torna-se consciente de sua própria identidade, separando seu Eu da Mãe.
Carl G. Jung, dissidente de Freud, iniciou sua carreira como psiquiatra antes de conhecer Freud, seus estudos se tornaram referência por integrar conceitos da filosofia e da cultura oriental na psiquiatria e psicologia moderna. Jung acreditava que a maturação psíquica ou processo de individualidade transcendia os limites do ego e do inconsciente individual reconhecendo a necessidade de comunicação entre os conteúdos conscientes e inconscientes.
Jung foi o primeiro psiquiatra a usar o termo transpessoal e redimensionar os alcances do ego, popularizando o conceito de self como centro de toda a personalidade, uma imagem arquetípica do potencial mais pleno do homem e a unidade da personalidade como um todo. O self, como um princípio unificador dentro da psique humana, ocupa a posição central de autoridade com relação à vida psicológica e, portanto, do destino do indivíduo:
“A relação do self com o ego é comparada àquela do “que move com o que é movido.” Jung descreve uma interdependência dos dois: o self possui uma visão mais holista e é, portanto, supremo, mas a função do ego é confrontar ou satisfazer às exigências dessa supremacia. Inicialmente o ego está fundindo com o self, porém depois dele se diferencia.”
O confronto entre o ego e o self foi identificado por Jung como característico da segunda metade da vida. Os símbolos do self geralmente ocorrem frente a alguma crise ou obstáculo na vida com o qual o indivíduo não sabe lidar, esses símbolos podem ocorrer nos sonhos ou em outros eventos simbólicos na forma de figuras transcendentais ou figuras geométricas.
Lembrando o misterioso “Livro Vermelho” de Jung, publicado em 2009, 48 anos após sua morte, considerado uma das obras inéditas mais importantes da história da psicologia. Uma reportagem da Folha Online em 21 de fevereiro de 2010 descreve o livro como produto do método introspectivo desenvolvido por Jung conhecido como "imaginação ativa". Em suas páginas, o autor reproduz o resultado dessa viagem exploratória pelo seu próprio inconsciente mediante palavras e ilustrações. Muitos dos desenhos pintados por Jung são figuras mitológicas e mandalas, diagramas simbólicos circulares utilizados pelo hinduísmo e budismo. A partir da experiência do "Livro Vermelho", que foi escrito entre 1914 e 1930, Jung desenvolveu sua teoria dos arquétipos e do inconsciente coletivo:
“Os anos durante os quais me detive nessas imagens interiores constituíram a época mais importante da minha vida. Tudo o mais emanou disso. Foi então que tudo teve início e os detalhes posteriores pouco importam. Toda minha atividade ulterior consistiu em elaborar o que jorrava do inconsciente naqueles anos e que inicialmente me inundara como um rio enigmático que ameaçava me destruir; era a matéria–prima para mais que toda uma vida. O que veio depois foi apenas mera classificação externa, elaboração científica e integração à vida. Entretanto, o começo numinoso, que tudo contém, foi então.”
Vera Saldanha, uma das responsáveis por trazer o movimento da Psicologia Transpessoal para o Brasil juntamente com Pierre Weil na década de 70, descreve o Ego pela Psicologia Transpessoal como:
"Uma construção mental, ilusória, que tem a tendência de solidificar a energia mental em uma barreira, a qual separa o espaço em duas partes: eu e o outro. É necessário para operacionalizar a vida no cotidiano, instrumenta a realidade da psique tal como na Psicanálise é responsável pelo princípio de realidade. A percepção do ego não representa a totalidade das experiências humanas; em algumas delas essa instância psíquica precisa dissolver-se circunstancialmente, a fim de que o indivíduo se torne uno com tudo o que existe, sentindo seu Ser essencial, sua natureza de sabedoria e luz."
Esta ilusão da dualidade é bem ilustrada por Weil quando comparada à tradição budista:
"O mar constitui uma unidade; mas as ondas, comparadas umas as outras, são pluralidade. As ondas podem ser comparadas com o nosso ego; cada ego olhando para outro ego, cada onda olhando para outra onda, tem a ilusão de ser diferente; na realidade faz parte de um só mar; o ego é onda e mar ao mesmo tempo; ele é individualidade e unidade simultaneamente."
Entende-se que o Eu e o Outro são diferentes em muitos aspectos e ao mesmo tempo são iguais, pois fazem parte do mesmo todo, um todo que envolve ambos mesmo sem ser percebido. A Psicologia Transpessoal inclui essa outra dimensão do ser humano, a dimensão "mar" que vivencia a unidade cósmica e sente-se parte dela; o ego, por sua vez, representado pela "onda" traz a dimensão única e individual do Ser e apesar de estar contido na dimensão cósmica, sente-se separado dela.
A psicose costuma ser associada à perda dos limites do ego, fala-se inclusive sobre uma possível morte e renascimento do ego, referindo-se a uma mudança de nível de consciência e de densidade energética que favorece o emergir de um estado de despertar, no qual há conexão com o Ser essencial.
Portanto, apesar do ego ser essencial para a estruturação da psique humana, ele não representa quem somos em totalidade. O ser humano aprende primeiro a definir e estruturar seu ego para depois, no decorrer da vida, torná-lo mais flexível e poroso até por fim dissolvê-lo completamente acessando a dimensão da unidade que não possui nenhuma forma.
Neste modelo é possível identificar de um lado o psicótico que vivencia a desestruturação do ego, pois apresenta um ego frágil, com dificuldades de delinear o Eu e o Outro, seu mundo interno e externo, dependente da aprovação e reconhecimento das outras pessoas; por outro lado, o místico que experimenta a dissolução do ego, pois apesar de entrar em estado psicótico apresenta um ego forte e bem estruturado. Ou como disse Joseph Campbell:
"O místico, dotado de talentos inatos e seguindo a instrução de um mestre entra na água e descobre que sabe nadar; o psicótico, por sua vez, despreparado, sem orientação e sem dotes, caiu nela ou mergulhou voluntariamente e está se afogando” “Ele pode ser salvo? Se uma corda for jogada, ele vai segurá-la? ".
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