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O que é Emergência Espiritual?


O termo Emergência Espiritual foi criado nos anos 70 pelo médico psiquiatra Tcheco Stanislav Grof, sendo por ele definido como:

"A evolução de uma pessoa para um modo de ser mais maduro, que envolve uma ótima saúde emocional e psicossomática, maior liberdade de escolha pessoal e uma sensação de ligação profunda com as outras pessoas, com a natureza e com o cosmos. Uma parte importante desse desenvolvimento é um despertar progressivo da dimensão espiritual na vida da pessoa e no esquema universal das coisas."


Durante mais de 60 anos de trabalho e pesquisa acompanhando pessoas em estados não ordinários de consciência , Grof verificou diferentes padrões experienciais e graus de insanidade nas experiências transpessoais as quais requerem tratamentos diferenciados sendo o auxilio relativo à natureza, profundidade e intensidade do processo. Grof observou que apesar da Emergência Espiritual acontecer, na maioria das vezes, de uma forma gradual ao longo das nossas vidas, ela pode se tornar uma crise se acontecer de forma muito rápida e dramática. Para diferenciar essas experiências Grof propôs duas terminologias:

  • Spiritual Emergence - Emergência Espiritual - sugerindo uma oportunidade de ascensão a um novo nível de consciência, emergência no sentido de "elevação''.

  • Spiritual Emergency - Crise de Emergência Espiritual - sugerindo uma crise, emergência no sentido de "urgência".

Essas experiências foram estudadas por outros autores e receberam distintas denominações: Experiência Cósmica por Pierre Weil, Experiência Culminante - Abraham Maslow, Consciência Mística - William James, Experiência Numinosa - Carl Jung. Outras culturas também se referem a essas experiências: Êxtase Místico, Samadhi, Nirvana, Estado de Buda, Iluminação e Estado de Graça.

Quais os sintomas mais comuns?

  • Unidade: desaparecimento da percepção dual Eu/Mundo;

  • Inefabilidade: a experiência não pode ser descrita com a semântica usual;

  • Caráter noético: um senso absoluto de que o que é vivido é real, às vezes, muito mais real do que a vivência quotidiana comum;

  • Transcendência do tempo e espaço: as pessoas entram numa outra dimensão; o tempo não existe mais e o espaço tridimensional desaparece;

  • Sentido de sagrado: o senso de que algo grande, respeitável e sagrado está acontecendo;

  • Desaparecimento do medo da morte: a vida é percebida como eterna, mesmo se a existência física é transitória;

  • Mudança do sistema de valores e de comportamento: muitas pessoas passam a ter uma vida que preze mais a bondade, a verdade, a justiça, etc. Há uma subestimação progressiva dos valores materiais e do apego ao dinheiro. O "Ser" substitui o "Ter";

Qual os indicadores?

Muitos transtornos mentais estão diretamente relacionados com disfunções cerebrais ou doenças de outros órgãos e sistemas do corpo. É indispensável um minucioso exame médico e psiquiátrico, mas também é fundamental ir além dessa perspectiva biomédica. Grof elaborou um quadro pormenorizado de critérios diferenciais, abaixo estão alguns destes critérios indicando quando uma pessoa pode estar passando por uma crise de emergência espiritual e pode recorrer a um tratamento "alternativo" que envolve um olhar mais amplo dessas experiências:

  • Ausência de algum distúrbio orgânico cerebral e doença física de outro órgão ou sistema que possa ser responsabilizado pelo distúrbio mental;

  • Ausência de um longo histórico de hospitalização e tratamentos psiquiátricos convencionais;

  • Condição somática e cardiovascular geral boa, o que permitirá ao paciente submeter-se com segurança a intensidade e o estresse que possa decorrer do trabalho experiencial e da estratégia de autodescobrimento;

  • Capacidade de ver o transtorno como um processo psicológico interno e de abordá-lo de uma forma internalizada aceitando a própria psique sem projetá-la culpando os outros pelas suas dificuldades;

  • Disponibilidade da pessoa em enfrentar e aceitar experiências fortes seja no nível biográfico, perinatal e transpessoal demonstrando capacidade de estabelecer uma relação de trabalho adequada;

  • Respeitar a visão curativa do processo de transformação, apoiando o seu desenrolar natural e honrando todo o espectro da experiência humana, onde tanto o terapeuta como a pessoa em crise devem estar abertos à dimensão espiritual reconhecendo-a como parte importante da vida;

  • Reconhecimento de episódios com a presença de experiências incomuns que envolvem alteração no funcionamento perceptivo, emocional, cognitivo e psicossomático e nos quais se verifique uma acentuada ênfase no aspecto transpessoal do processo, como a presença de sequências de morte e renascimento e fenômenos mitológicos e arquetípicos.

Quais os desencadeadores?

Estas crises psicoespirituais podem ocorrer de modo espontâneo sem ação de fatores de precipitação, ou suas causas podem ser deflagradas por: estresse emocional, exaustão física, enfermidades, acidentes, experiências sexuais intensas, trabalho de parto, drogas psicodélicas ou mesmo práticas de meditação intensa.

Outras possíveis causas são muitas mudanças ao mesmo tempo, perdas (entes queridos, trabalho, financeira), cursos que induzem experiências intensas, vivências xamânicas, experiência próxima da morte ou práticas que podem levar ao despertar da kundalini.

Como tratar?

Diferente dos transtornos mentais, a crise de emergência espiritual não é considerada uma patologia, mas uma crise psicoespiritual. Mesmo com etiologias e características distintas tanto a esquizofrenia, como o transtorno bipolar tipo 1, assim como os quadros de crise de emergência espiritual podem apresentar episódios psicóticos e uma sobreposição de sintomas que torna difícil seu diagnóstico.


O psicólogo americano David Lukoff, juntamente com colaboradores, conseguiu inserir a categoria diagnóstica de Problemas Religiosos ou Espirituais no DSM auxiliando na identificação dos casos onde essas experiências demandam uma atenção clínica diferenciada. Exemplos incluem: experiências angustiantes que envolvem a perda ou questionamento da fé, problemas associados com a conversão a uma nova fé, ou o questionamento de valores espirituais que podem não estar, necessariamente, relacionados com uma igreja ou religião institucionalizada (DSM-IV-TR, 2002). Apesar do termo Crise de Emergência Espiritual não ter sido inserido no DSM, esta categoria diagnóstica cria uma abertura para que todos os fenômenos religiosos ou espirituais possam ser investigados e acolhidos com maior cuidado.

Com este objetivo David Lukoff lançou o site www.spiritualcompetency.com onde ele oferece informações, cursos e apoio a pessoas em crise psicoespirituais ou a profissionais da área de saúde mental. (Você pode assistir um dos vídeos de Lukoff clicando na imagem do blog onde ele apresenta a categoria diagnóstica de Problemas Espirituais ou Religiosos em detalhes).

Grof escreveu vários livros onde cita a importância de ampliarmos nosso entendimento sobre a cartografia da consciência para podermos compreender o profundo potencial transformador que essas experiências carregam se forem acolhidas adequadamente. Ele recomenda o uso de tranquilizantes se a experiência estiver gerando algum tipo de sofrimento, mas insiste em evitar suprimir ou cessar a experiência quando for possível, desde que a pessoa não esteja se colocando em risco e esteja consciente de que precisa de cuidados. É fundamental levar em consideração cada caso individualmente e oferecer um acompanhamento mais completo e integrado, podendo incluir parentes e amigos ou uma rede de apoio além de limitar-se a um apoio específico à pessoa em crise, deve ser flexível e criativo, respeitando a natureza individual da crise, utilizando todos os recursos disponíveis. O mais importante diz ele:

"É fornecer à pessoa em crise um contexto positivo para suas experiências e informações suficientes sobre o processo pelo qual ela passa. É essencial que a pessoa afaste da mente o conceito de doença e reconheça a natureza curativa da sua crise. Podem ser muito valiosos o acesso à boa literatura sobre o tema e a oportunidade de conversar com pessoas que compreendem, em especial com aquelas que passaram com sucesso por uma crise semelhante."

Um dos legados de Stanislav Grof foi a criação da rede de emergência espiritual que desde da década de 70 tem oferecido apoio online através do site www.spiritualemergence.info.

No Brasil, Ligia Splendore e Sean Backwell mantiveram a rede social Alma Bipolar por 9 anos, e em 2017 deram início ao movimento internacional Repensando a Loucura no Brasil, inspirado pela campanha #EmergingProud. A proposta deste movimento é que as pessoas possam falar de suas experiências espirituais e/ou anômalas sem medo, expandindo a percepção do que é "normal" em todo o mundo. Este grupo tem feito várias ações como: encontros presenciais e/ou online quinzenalmente, eventos anuais, elaboração de materiais afins, inclusive a tradução e complementação de uma cartilha elaborada pela ISEN (Rede Internacional de Emergência Espiritual) para ajudar as pessoas que estão passando por uma crise psicoespiritual - Guia de Crise.


Atualmente o Repensando a Loucura está ampliando ainda mais o entendimento desses crises psicoespirituais com o lançamento do EEA - Emergência Espiritual Anônimos (Brasil), um movimento que vem crescendo em outros países e que tem como objetivo ajudar um maior número de pessoas.


Bibliografia

Grof, C.; Grof, S. Emergência Espiritual: Crise e Transformação Espiritual. São Paulo, Editora Cultrix, 1989.

Grof, C.; Grof, S. A Tempestuosa Busca do Ser: Um Guia para o Crescimento Pessoal Através da Crise de Transformação. São Paulo, Editora Cultrix, 1990.

Grof, S. Psicologia do Futuro - Lições das Pesquisas Modernas de Consciência. Brasil, Heresis Transpessoal, 2007.

Grof, C.; Grof, S. Respiração Holotrópica: Uma nova Abordagem de Auto Exploração e Terapia. Rio de Janeiro, Capivara editora, 2010.

Grof, S. Cura Profunda: A perspectiva Holotrópica. Rio de Janeiro, Capivara editora, 2012.

Lukoff, D. From Spiritual Emergency to Spiritual Problem: The Transpersonal Roots of the New DSM-IV Category. Journal of Humanistic Psychology, 38 (2), 21-50, 1998.

Menezes, A.; Moreira-Almeida, A. O diagnóstico diferencial entre experiências espirituais e transtornos mentais de conteúdo religioso. Psiquiatria Clínica. v.36, n.2, 2009.

Walsh, R., Vaughan, F. Caminhos Além Do Ego: Uma Visão Transpessoal. São Paulo, Editora Cultrix, 1993.

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